O uso indevido de áreas públicas como estacionamentos “privativos” de estabelecimentos comerciais tem se tornado um problema crescente nos centros urbanos. A prática de rebaixar toda a guia da calçada na testada do imóvel e reservar o espaço para uso exclusivo de clientes não possui qualquer amparo legal, segundo análise técnica baseada no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), na Resolução nº 965/2022 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) e na norma de acessibilidade ABNT NBR 9050:2020 (versão corrigida em 25/01/2021).
De acordo com o Anexo I do CTB, “via” é toda a superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo pista, calçada, acostamento, ilhas e canteiro central. Assim, as vias urbanas — incluindo o leito carroçável, as calçadas e os passeios públicos — são bens de uso coletivo, e não podem ser apropriados por particulares.
A Resolução Contran nº 965/2022, em seu artigo 19, é clara ao vedar a destinação de parte da via para estacionamento privativo, salvo nas situações expressamente previstas na própria norma, como vagas destinadas a pessoas com deficiência ou idosos.
A ABNT NBR 9050, que estabelece critérios de acessibilidade em edificações e espaços urbanos, não prevê a possibilidade de transformar as áreas resultantes do rebaixamento de guias em vagas privadas, mesmo em frente a estabelecimentos comerciais.
Dessa forma, ao rebaixar integralmente a guia da calçada e criar vagas na frente do imóvel, o proprietário não adquire qualquer direito de uso exclusivo sobre essas áreas. As vagas resultantes continuam sendo de uso público, acessíveis a qualquer cidadão, independentemente de consumo no estabelecimento ou do tempo de permanência do veículo.
O rebaixamento parcial da guia é permitido, desde que atenda aos parâmetros técnicos e de acessibilidade definidos pela legislação. No entanto, a apropriação de espaço público, mediante o rebaixamento total da testada do imóvel, fere o princípio da igualdade no uso da via pública e configura uso irregular do bem coletivo. Eventuais permissões em sentido diverso devem estar previstas em legislação municipal. João Carlos Lemes, especialista em direito de trânsito (Via Lex Assessoria de Trânsito e Transporte).
Fonte: https://shre.ink/oSeJ